Galeria de Arte Espaço Universitário - UFES


10. RESTOS
De uma Exposição
a
Tudo o que sonho ou passo
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
a
Fernando pessoa, 'Isto'
aaa
Mas as coisas lindas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
aaaaa
Carlos Drumond de Andrade, 'memória'
a
Gostaria de refletir de passagem uma exposição que se encontra atualmente em cartaz na Galeria de Arte da UFES: os desenhos de Célia Ribeiro. Seria difícil definir aquilo que escapa a toda definição. São como que grandes massas humanas, imobilizadas em gestos, diálogos e atenções. Diz-nos a artista tratar-se de imagens de vídeo congeladas e transpostas para o papel. Se isso é verdade, os desenhos parecem fazer o percurso inverso, ganhando movimento e densidade, em nítida fuga da superfície onde se inscrevem. A textura do papel mal suporta essas figuras em traços fortes, e outros suaves. A escolha do suporte se deveu intencionalmente a sua precariedade. Daqui a dez anos essas composições poderão não mais existir. Mas certamente ficará um rastro dessas escritas imperfeitas em evoluções e contrastes. O tema de Célia é sem dúvida o inumano. Demasiado humanas, essas figuras, entre luz e sombra, parecem blocos de montanhas mas sem o peso da topografia. Em sua consciência lembram paradoxalmente aves levantando vôo, ou vagas assomando no horizonte. O demasiado humano se torna por gesto violento de desfiguração algo de bem pouco humano: máscaras, bichos, "monstros". Etc. O inumano redesenha a seu modo a paisagem do humano, descentraliza o privilégio humanista quando com ele parece se confundir, abrindo zonas de serenas instabilidades no suposto coração do ser. Saímos da exposição com o estranho sentimento de irrealidade, não desse quadros, mas do viver familiar, miserável em sua continuidade sem cores, humano em demasia. O efeito é de desrealização do real e hiperrealização da arte, nos planos itertrocados de uma dança figurada. (Ao contrário do que pensam os filósofos, a verdadeira arte é o efêmero, aquela que passa e por isso fica, ou antes, resta.) ...

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NASCIMENTO, Evando. Ângulos: literatura & outras artes. Juiz de Fora: Ed. UFJF: Chapecó: Argos, 2000. P. 158.
Desenhos - individual, 1998
8 desenhos sobre papel vegetal
120 x 150 cm
aa
Texto de apresentação da exposição
Desenho a partir de cenas que filmo.
Em câmera lenta revejo ângulos que em outro tempo meu olhar escolheu.
Paraliso a imagem em momentos que me surgem como força de gesto.

Desdobrar o gesto no silêncio da câmera lenta é como entrar no desconhecido: uma possibilidade de ver o que não vemos através do arranjo de nossa percepção ocidental.

Dupla direção interfere no ato de grafar/desenhar: a que norteia para o controle da forma, através das normas do desenho acadêmico, e a que desalinha estas normas quando busca captar o inusitado, presentes nos movimentos dissecados quando vistos na lentidão.

O que surge no papel é algo o mesmo e outro daquilo que se vê.
O ato de desenhar possui suas próprias seduções, seduções do grafite a retirar/controlar as pulsações da luz incidente sobre o papel, seduções dos acidentes da linha que se desenha.

Se os desenhos aqui expostos tiveram mãos gestoras no momento do ato, agora são grafias, seguem, por conta própria, ao encontro de outras retinas: boa sorte!

Galeria do Espaço Universitário, UFES, Vitória, 1998
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Folder com reproduções dos desenhos
FRIZZERA, Rose. Em busca da força dos gestos. A Gazeta, Vitória, 17 de novembro de 1998. Caderno Dois. P. 2.

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